Enquanto vagas para negros são fixas em 20%, a flexibilidade na Lei nº 8.112/90 para pessoas com deficiência em concursos públicos perpetua um mínimo de 5%, clamando por revisão urgente e inclusão efetiva
A discussão sobre a inclusão de Pessoas com Deficiência (PcD) em concursos públicos ganhou um novo e urgente contorno. Observa-se uma marcante disparidade legislativa e prática na aplicação das cotas destinadas a este grupo, quando comparadas às vagas reservadas para candidatos negros. Atualmente, a flexibilidade da Lei nº 8.112/90 permite que as cotas para PcD se estabeleçam em um mínimo de 5%, contrastando drasticamente com os 20% fixos garantidos pela Lei nº 12.990/2014 para a população negra. Essa distinção tem perpetuado a exclusão e clama por uma reforma administrativa que corrija essa falha histórica, a fim de assegurar a verdadeira igualdade e acessibilidade no serviço público brasileiro.
Contexto
O Brasil, embora tenha avançado em políticas afirmativas, ainda enfrenta desafios significativos na implementação efetiva da inclusão. A legislação atual sobre cotas em concursos públicos reflete essa lacuna de forma alarmante, especialmente no que tange às Pessoas com Deficiência. A Lei nº 8.112/90, que rege o regime jurídico dos servidores públicos federais, estabelece em seu artigo 5º, § 2º, que “às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso”.
No entanto, a interpretação e aplicação prática dessa “flexibilidade” de “até 20%” têm resultado em um cenário onde o percentual mínimo de 5% se tornou a norma para PcD. Essa abordagem contrasta fortemente com o arcabouço legal para candidatos negros, que, desde a promulgação da Lei nº 12.990/2014, têm um percentual de 20% de vagas reservadas de forma fixa. Essa diferença numérica não é apenas uma questão de proporção, mas um reflexo de como a legislação e sua aplicação podem reforçar ou mitigar desigualdades.
A discussão sobre a disparidade nas cotas é fundamental para compreender os antecedentes do problema. Enquanto a reserva de 20% para a população negra foi um reconhecimento da dívida histórica e da necessidade de reparar séculos de exclusão, o tratamento dado às Pessoas com Deficiência parece desconsiderar a complexidade dos desafios enfrentados por este grupo. A falta de um percentual fixo e o apego ao mínimo legal tornam a jornada de inclusão no serviço público muito mais íngreme para os PcD.
A Problemática da Flexibilidade
A escolha da palavra “até” na Lei nº 8.112/90, ao invés de um percentual fixo, abre margem para uma interpretação restritiva por parte das bancas examinadoras e dos órgãos públicos. Na prática, essa brecha legal tem sido utilizada para minimizar o número de vagas destinadas aos PcD, muitas vezes limitando a inclusão ao percentual mínimo de 5%. Esse cenário é particularmente preocupante quando se considera o elevado número de candidatos com deficiência aptos a ingressar no serviço público.
Para ilustrar a discrepância, imagine um concurso com mil vagas. De acordo com a Lei nº 12.990/2014, 200 dessas vagas seriam obrigatoriamente destinadas a candidatos negros. No entanto, para as Pessoas com Deficiência, a interpretação da Lei nº 8.112/90 resultaria, na maioria dos casos, em apenas 50 vagas, ou seja, 5% do total. Essa diferença numérica de 150 vagas reflete uma perda significativa de oportunidades e reforça a exclusão, indo contra os princípios da acessibilidade em concursos e do direito fundamental PcD à igualdade de oportunidades.
Impactos da Decisão
A manutenção dessa disparidade nas cotas tem reverberações profundas em múltiplos níveis, afetando não apenas os indivíduos diretamente envolvidos, mas também a estrutura do serviço público e a percepção da sociedade sobre a inclusão. O impacto mais imediato é a exclusão contínua de talentos. Pessoas com deficiência, muitas vezes altamente qualificadas e com potencial para contribuir significativamente para a administração pública, veem suas chances de ingresso drasticamente reduzidas pela falta de vagas proporcionais.
Do ponto de vista social, essa prática envia uma mensagem desalentadora. Ao oferecer um percentual mínimo, o Estado, indiretamente, sinaliza que a inclusão das Pessoas com Deficiência é uma concessão, e não um direito fundamental e uma prioridade estratégica. Isso impacta a autoestima dos PcD, desestimula sua participação e perpetua estereótipos de incapacidade, em vez de promover a plena cidadania e o reconhecimento de suas capacidades.
Politicamente, a questão tem gerado mobilização por parte de ativistas e associações de direitos das pessoas com deficiência. Há um crescente coro de vozes pedindo que legisladores e formuladores de políticas públicas revisem a legislação vigente. “É inaceitável que, em pleno século XXI, ainda tenhamos uma lei que permite tamanha discricionariedade e perpetua a desigualdade. A inclusão não pode ser uma opção, mas uma regra”, afirmou uma jurista renomada, em análise crítica sobre o tema publicada recentemente.
Consequências da Desigualdade
As consequências dessa desigualdade de cotas também se estendem à própria eficiência e representatividade do serviço público. Um corpo de servidores mais diverso, que reflita a pluralidade da sociedade brasileira, tende a ser mais inovador, empático e capaz de atender às necessidades de todos os cidadãos. A sub-representação das PcD no funcionalismo público significa a perda de perspectivas valiosas e a perpetuação de um ambiente menos inclusivo e adaptado.
Além disso, a inconsistência entre as leis que regulam as cotas para diferentes grupos demonstra uma falta de alinhamento nas políticas de Direitos Humanos. Se o objetivo é garantir a igualdade de oportunidades e combater a discriminação, a legislação deve ser equânime e assertiva para todos os grupos que historicamente foram marginalizados. A reforma administrativa surge, então, como uma janela de oportunidade crucial para endereçar essa falha.
Próximos Passos
A urgência de uma reforma administrativa que aborde a disparidade das cotas PcD é cada vez mais evidente. Para advogados e juristas da área de Direito Administrativo e Direitos Humanos, a revisão da Lei nº 8.112/90 é um imperativo moral e legal. O cenário ideal seria a fixação de um percentual de vagas reservadas para Pessoas com Deficiência que seja, no mínimo, equivalente ao percentual aplicado para outras minorias, como os 20% destinados a candidatos negros, ou até mesmo um patamar superior que reconheça a especificidade dos desafios da deficiência.
Os legisladores e formuladores de políticas públicas têm um papel central neste processo. A pauta da inclusão PcD deve ser elevada a um patamar de prioridade nas discussões sobre a modernização da administração pública. Isso implica em debates no Congresso Nacional, audiências públicas com a participação de ativistas e associações de direitos das pessoas com deficiência, e a elaboração de propostas legislativas que eliminem a ambiguidade atual e garantam um percentual justo e eficaz.
Espera-se que, nos próximos anos, a pressão social e a análise técnica de especialistas possam impulsionar essa mudança. A implementação de medidas que assegurem a acessibilidade em concursos e a plena aplicação do direito fundamental PcD à inclusão não é apenas uma questão de justiça, mas também de progresso para a sociedade brasileira como um todo. O objetivo final é construir um serviço público que seja verdadeiramente espelho da diversidade de sua população, oferecendo oportunidades reais para todos.
Desdobramentos Esperados
Entre os desdobramentos esperados, está a possibilidade de projetos de lei que proponham alterações pontuais na Lei nº 8.112/90, especificamente no que diz respeito ao percentual de vagas para PcD. Além disso, é provável que haja uma intensificação das ações judiciais por parte de candidatos com deficiência que se sintam lesados pela interpretação restritiva da lei. Tais ações podem criar precedentes importantes, forçando uma reavaliação da prática atual.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e outros órgãos de controle também podem desempenhar um papel ativo na fiscalização e na recomendação de melhores práticas para garantir a inclusão efetiva das PcD. A conscientização e a capacitação dos gestores públicos sobre a importância e os benefícios da diversidade no ambiente de trabalho serão cruciais para a sucesso de qualquer reforma, seja ela legislativa ou administrativa. O futuro da acessibilidade nos concursos e da inclusão plena para as Pessoas com Deficiência depende da vontade política e do engajamento de toda a sociedade.
Fonte:
ConJur – Aos reformadores administrativos: não se esqueçam das cotas para pessoas com deficiência. ConJur

