Legislação Flexível para Pessoas com Deficiência em Concursos Contrapõe Ações Afirmativas e Sabota a Inclusão
A legislação brasileira referente às cotas para Pessoas com Deficiência (PcD) em concursos públicos apresenta uma grave disparidade, permitindo a adoção de um percentual mínimo de 5%, enquanto candidatos negros contam com um percentual fixo de 20%. Tal flexibilidade, que se mostra um entrave à efetiva inclusão, contraria o princípio da isonomia material previsto na Constituição de 1988 e demanda uma reforma legislativa para reverter a exclusão.
Contexto
O Brasil, apesar de avanços em políticas de ação afirmativa, enfrenta um desafio significativo na garantia da plena inclusão de Pessoas com Deficiência (PcD) no serviço público. A legislação atual, que deveria ser um mecanismo de igualdade, paradoxalmente, tem se tornado um perpetuador da exclusão, especialmente no que tange aos concursos públicos.
Enquanto a Lei nº 12.990/2014 estabeleceu um percentual fixo de 20% das vagas para candidatos negros em concursos públicos, a legislação referente às cotas para PcD, amparada principalmente pela Lei nº 8.112/90 e decretos subsequentes, oferece uma margem de flexibilidade. Esta permite que a reserva de vagas para Pessoas com Deficiência varie entre 5% e 20% do total de postos, conforme o critério do órgão promotor do certame.
Essa margem de manobra tem sido interpretada e aplicada, na maioria dos casos, com a adoção do percentual mínimo. Essa prática gera uma notável disparidade em relação ao público negro e levanta questionamentos profundos sobre a verdadeira intenção e eficácia das políticas de inclusão voltadas para as PcD, transformando o que deveria ser um direito em uma mera possibilidade.
Análise Jurídica da Disparidade
A análise jurídica da legislação em vigor revela que a flexibilidade do percentual para PcD se choca diretamente com o conceito de isonomia material, um pilar fundamental da Constituição de 1988. Este princípio estabelece que a igualdade não se resume ao tratamento igualitário formal, mas exige que se trate desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, para que a igualdade seja de fato alcançada.
Ao permitir que órgãos e entidades da administração pública fixem um percentual tão baixo quanto 5%, a legislação atual falha em reconhecer a amplitude dos desafios enfrentados pelas Pessoas com Deficiência na sua inserção no mercado de trabalho e, especificamente, no serviço público. Isso se contrapõe à efetividade da política de cotas para candidatos negros, que com seu percentual fixo, garante uma maior previsibilidade e concretude na ação afirmativa.
Impactos da Decisão
Os impactos da flexibilidade no percentual de cotas para PcD em concursos públicos são vastos e profundamente negativos, resultando em uma sub-representação crônica das Pessoas com Deficiência no serviço público brasileiro. A adoção generalizada do mínimo de 5% pelas bancas examinadoras e órgãos contratantes esvazia o propósito inclusivo da medida.
Na prática, a disparidade perpetua a exclusão e a marginalização social de milhões de brasileiros. Um exemplo prático ilustra a gravidade: em um concurso com 100 vagas, 20 seriam destinadas a candidatos negros, enquanto apenas 5 poderiam ser reservadas para PcD, evidenciando uma proporção significativamente menor de oportunidades para este grupo.
Além da óbvia desvantagem numérica, essa prática envia uma mensagem desalentadora sobre o compromisso do Estado com a inclusão plena e com a valorização da diversidade. A falta de representatividade das Pessoas com Deficiência nos quadros da administração pública não só nega direitos individuais, mas também empobrece a perspectiva e a capacidade do próprio Estado de atender às necessidades de toda a população.
Consequências Sociais e Econômicas
As consequências sociais e econômicas dessa flexibilidade legislativa são severas. Socialmente, a baixa representatividade no serviço público reforça estigmas e barreiras, limitando a visibilidade e o reconhecimento das PcD como agentes capazes e produtivos na sociedade. Isso contribui para um ciclo vicioso de exclusão e dependência.
Do ponto de vista econômico, a dificuldade de acesso a empregos estáveis e bem remunerados no setor público impacta diretamente a autonomia financeira das Pessoas com Deficiência e suas famílias. O serviço público, por sua natureza, oferece estabilidade e benefícios que são cruciais para a garantia de uma vida digna, e a restrição de acesso a essas oportunidades agrava a vulnerabilidade econômica deste segmento populacional.
Próximos Passos
Diante da evidente disparidade e dos seus impactos negativos, a comunidade jurídica, as organizações de defesa dos direitos das Pessoas com Deficiência e os próprios tomadores de decisão apontam para a urgência de uma reforma legislativa. O objetivo central é eliminar a flexibilidade do percentual de cotas para PcD, equiparando-o, idealmente, ao modelo já estabelecido para candidatos negros, ou seja, um percentual fixo de 20%.
Essa mudança demandaria uma revisão cuidadosa da Lei nº 8.112/90 e de outros atos normativos que regem a matéria. A proposta é solidificar o compromisso do Estado brasileiro com a isonomia material e com os direitos das Pessoas com Deficiência, garantindo que as cotas cumpram seu papel de mecanismo de correção histórica e de promoção da igualdade de oportunidades.
O engajamento de diversos atores sociais e políticos será crucial para impulsionar essa agenda. Parlamentares, membros do Poder Executivo, do Ministério Público e da sociedade civil organizada precisam atuar em conjunto para sensibilizar a opinião pública e os legisladores sobre a imperiosa necessidade de uma legislação mais justa e eficaz. A reforma administrativa em pauta no país deve, necessariamente, contemplar essa lacuna, sob pena de perpetuar a exclusão e o descumprimento dos princípios constitucionais.
Ações e Perspectivas Futuras
Para o futuro, espera-se que haja uma mobilização para que projetos de lei que visem a fixação do percentual de cotas para PcD avancem no Congresso Nacional. A discussão também deve incluir a necessidade de fiscalização mais rigorosa na aplicação das cotas e a criação de mecanismos de acompanhamento para garantir que as vagas reservadas sejam efetivamente preenchidas.
Além da reforma legislativa, é fundamental que haja um trabalho de conscientização e capacitação dentro da própria administração pública, para que os gestores compreendam a importância da inclusão e saibam como promover um ambiente de trabalho acessível e acolhedor para as Pessoas com Deficiência. A inclusão vai além da reserva de vagas; ela demanda uma transformação cultural e estrutural.
A busca pela isonomia material é um processo contínuo que exige vigilância e ação. A correção da disparidade nas cotas para PcD é um passo essencial para que o Brasil honre seus compromissos constitucionais e internacionais com os direitos humanos e construa uma sociedade verdadeiramente inclusiva e justa para todos.
Fonte:
ConJur – Aos reformadores administrativos: não se esqueçam das cotas para pessoas com deficiência. ConJur

