A taxa básica de juros, no maior patamar em duas décadas, é apontada como principal catalisador para a retração; economistas divergem sobre a gravidade do cenário e a velocidade da recuperação.
A economia brasileira registrou um recuo de 0,2% em setembro, um desempenho que, segundo economistas consultados pela Agência Brasil, é reflexo direto da elevada taxa Selic, que se mantém em 15% ao ano — o patamar mais alto em duas décadas. Esse cenário provocou um intenso debate entre os especialistas sobre os reais impactos e as perspectivas futuras para a política monetária e a recuperação econômica do país, revelando visões divergentes sobre a urgência de uma mudança nos juros.
Contexto
A taxa Selic, sigla para Sistema Especial de Liquidação e de Custódia, é a taxa básica de juros da economia brasileira, definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Seu principal objetivo é controlar a inflação, influenciando diretamente o custo do crédito e, por consequência, o consumo e o investimento no país. A cada decisão do Copom, o mercado financeiro e os agentes econômicos ajustam suas expectativas.
Em um movimento contínuo de elevação para conter pressões inflacionárias, a Selic alcançou a impressionante marca de 15% ao ano. Este nível, que não era visto desde o início dos anos 2000, marca um período de grande desafio para a gestão econômica. A persistência de uma inflação acima da meta levou o Banco Central a adotar uma postura mais agressiva, priorizando a estabilidade de preços em detrimento do crescimento a curto prazo.
O cenário atual é de desaceleração econômica, com o recuo de 0,2% na atividade econômica brasileira em setembro funcionando como um termômetro claro dos desafios impostos pela política monetária restritiva. Este dado, divulgado em meio a projeções de um crescimento mais modesto para o Produto Interno Bruto (PIB) do ano, reforça a preocupação de que a alta dos juros está, de fato, freando o dinamismo produtivo do país.
A Trajetória da Selic e o Dilema entre Inflação e Crescimento
Historicamente, o Banco Central utiliza a Selic como principal ferramenta para equilibrar a economia. Aumentos na taxa visam retirar dinheiro de circulação, desestimulando o consumo e o investimento, o que, em tese, desacelera a alta dos preços. Contudo, essa estratégia tem um custo para o crescimento econômico, criando um dilema constante para os formuladores de política.
A persistência de uma inflação elevada em períodos anteriores, impulsionada por fatores como choques de oferta e pressões cambiais, levou o Copom a uma série de aumentos consecutivos, culminando no atual patamar de 15%. Essa escalada foi acompanhada de perto pelo mercado, que observa atentamente cada comunicado do Banco Central em busca de sinais sobre os próximos passos e o rumo da política monetária.
O ciclo de alta da Selic impacta diretamente as expectativas dos agentes econômicos. Empresas adiam investimentos, consumidores postergam compras de alto valor e o acesso ao crédito se torna mais restritivo. Este contexto de cautela generalizada é um dos principais fatores por trás da desaceleração observada nos indicadores de atividade econômica.
Impactos da Decisão
O recuo de 0,2% na atividade econômica brasileira em setembro é uma consequência direta da Selic a 15%, segundo a maioria dos especialistas consultados pela Agência Brasil. O encarecimento do crédito se manifesta de diversas formas, tornando empréstimos pessoais, financiamentos imobiliários e linhas de crédito para empresas significativamente mais caros. Isso desestimula a compra de bens duráveis, o investimento produtivo e a expansão de negócios.
Douglas Elmauer, professor de Economia e Direito do Mackenzie Alphaville, explica que “o custo do capital aumenta para as empresas, inviabilizando projetos de expansão e modernização e, consequentemente, reduzindo a capacidade de geração de empregos. Para o consumidor, significa menos acesso ao crédito e parcelas de financiamento mais pesadas, impactando diretamente o poder de compra e o planejamento familiar.” A dificuldade de acesso ao crédito afeta tanto grandes corporações quanto pequenos empreendedores.
Corroborando essa visão, Euzébio Sousa, economista e pesquisador da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, reforça que “o impacto é sentido em diversos setores, desde o varejo até a indústria, com empresas adiando planos de investimento e consumidores retraindo-se diante da incerteza e do custo elevado do endividamento. A desaceleração é um reflexo claro da política monetária restritiva, que visa frear a demanda para conter a inflação.”
Setores Mais Afetados e o Custo do Crédito
Os setores que dependem fortemente de crédito são os mais vulneráveis à alta da Selic. A construção civil, por exemplo, enfrenta um cenário de redução de lançamentos e vendas de imóveis, devido ao encarecimento dos financiamentos habitacionais. O setor automotivo também sofre, com a demanda por veículos sendo diretamente impactada pelas taxas de juros para aquisição.
O comércio de bens duráveis, como eletrodomésticos e eletrônicos, sente a retração do consumo, uma vez que muitas dessas compras são realizadas via crediário. A decisão de compra de imóveis ou veículos, por exemplo, é diretamente influenciada pelas taxas de juros dos financiamentos, o que leva muitas famílias a adiarem seus projetos.
No entanto, a economista Daniela Cardoso apresenta um contraponto, considerando que “embora o impacto da Selic seja inegável e sua influência na atividade econômica seja significativa, outros fatores macroeconômicos, como a desaceleração global, a instabilidade geopolítica e questões fiscais internas, também contribuem para a performance da atividade econômica. O recuo em setembro pode ser interpretado como um ajuste necessário no ciclo econômico, e não apenas como uma consequência exclusiva dos juros.”
Essa divergência entre os economistas sublinha a complexidade da análise econômica, onde diferentes perspectivas ajudam a compor um quadro mais completo. O fato é que a taxa Selic elevada pressiona a demanda e, em última instância, a produção nacional, gerando um ambiente de menor dinamismo.
Próximos Passos
O debate sobre os próximos passos da taxa Selic é intenso no mercado financeiro e entre os formuladores de política econômica. A principal expectativa gira em torno de quando o Copom iniciará um ciclo de cortes nos juros, o que poderia aliviar a pressão sobre a atividade econômica e estimular a retomada do crescimento. Contudo, a persistência da inflação em alguns segmentos, as incertezas sobre o cenário fiscal e a necessidade de ancorar as expectativas ainda são fatores de cautela para o Banco Central.
Douglas Elmauer aponta que “a recuperação econômica dependerá crucialmente de uma sinalização clara do Banco Central de que os juros começarão a cair de forma consistente. Sem essa previsibilidade, as empresas e os consumidores permanecerão em modo de espera, retardando o reinício de um crescimento mais robusto e sustentável.” Ele enfatiza a importância da comunicação do Copom para a formação das expectativas de mercado.
Em contraste, Daniela Cardoso sugere que “a política fiscal do governo e a confiança dos investidores terão um papel crucial na recuperação, talvez até mais importante do que a própria Selic a curto prazo. A taxa de juros é apenas uma peça do quebra-cabeça. Medidas de estímulo à produção, reformas estruturais e um ambiente de negócios favorável podem acelerar a retomada mesmo com juros ainda em patamares relativamente elevados.”
Cenários e Expectativas para 2024
Para o ano de 2024, as projeções para a atividade econômica e a inflação permanecem cercadas de incerteza. Há um consenso de que a Selic deverá iniciar um ciclo de queda, mas a velocidade e a intensidade desses cortes são motivo de debate entre os analistas. Alguns preveem cortes graduais e cautelosos, enquanto outros esperam movimentos mais decisivos caso a inflação mostre sinais consistentes de desaceleração e a atividade econômica sinalize uma retração mais profunda.
Euzébio Sousa adverte que “a recuperação será gradual e dependerá da coordenação entre a política monetária, que foca no controle da inflação, e a política fiscal, que busca estimular o crescimento. Sem um plano coeso e bem executado, o Brasil pode enfrentar um período prolongado de crescimento modesto e desafios persistentes no mercado de trabalho e na geração de renda.”
A atenção dos investidores e empresários se volta para os próximos encontros do Copom e para os indicadores econômicos que serão divulgados, como o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, e o Produto Interno Bruto (PIB), que avalia o desempenho da economia. Estes dados serão fundamentais para balizar as decisões futuras das autoridades monetárias e fiscais, e moldar o cenário econômico brasileiro nos próximos meses.
Fonte:
Agência Brasil – Selic alta afetou negativamente atividade econômica, dizem economistas. Agência Brasil

