Controvérsia na USP: Concurso de Professora Érica Bispo Anulado Apesar de Aprovação Unânime e Aval do MP
Em um caso que levanta questões cruciais sobre justiça, equidade e racismo institucional no ensino superior brasileiro, a Universidade de São Paulo (USP), uma das mais prestigiadas instituições de ensino do país, anulou o concurso que havia aprovado a professora Érica Bispo para a vaga de docente de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). A decisão, baseada em supostas “relações íntimas”, é controversa por contrariar não apenas o parecer da própria Congregação da FFLCH, mas também a conclusão do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que arquivou um inquérito por não encontrar irregularidades. A professora e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP) veementemente contestam a medida judicial e politicamente, apontando para um cenário de discriminação e violação de direitos em uma das principais universidades do país.
Contexto
A professora Érica Bispo havia sido aprovada por unanimidade para a vaga de docente de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, um feito que a estabelecia como uma importante voz no cenário acadêmico brasileiro. Sua aprovação, resultado de um processo rigoroso e da avaliação consensual da banca examinadora da FFLCH, sinalizava um avanço na representatividade e na diversidade dentro do corpo docente da USP.
Contudo, o processo tomou um rumo inesperado após candidatas e candidatos que não foram aprovados apresentarem um recurso administrativo. As alegações eram de “possíveis irregularidades” no concurso e de supostas “relações pessoais muito próximas” entre a candidata aprovada e membros da comissão avaliadora. Essas acusações, embora genéricas, serviram de base para o desenrolar da contestação.
Inicialmente, a própria Congregação da FFLCH analisou o recurso e, após minuciosa avaliação, rejeitou as alegações, mantendo a validade do concurso e a aprovação de Érica Bispo. A decisão da Congregação reforçava a transparência e a legitimidade do processo seletivo, alinhando-se à unanimidade da aprovação da professora.
Paralelamente, o caso chegou ao conhecimento do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que abriu um inquérito para investigar as supostas irregularidades. Após a condução das apurações, o MP-SP concluiu que não havia evidências de irregularidades no concurso e, consequentemente, arquivou o inquérito, reiterando a validade do resultado e a lisura do processo que aprovou a professora Érica Bispo.
Apesar desses posicionamentos claros da FFLCH e do MP-SP, a Procuradoria-Geral da USP decidiu unilateralmente pela anulação do concurso. A publicação oficial da anulação da nomeação da professora Érica Bispo ocorreu em 15 de julho de 2025, pegando de surpresa a comunidade acadêmica e defensores de direitos humanos. Menos de três meses depois, em 1º de outubro de 2025, a universidade lançou um novo edital para a mesma vaga, reforçando a decisão de não manter a aprovação original.
A justificativa da USP para a anulação baseou-se nas alegações de “relações pessoais muito próximas”, levantando questionamentos sobre a profundidade da investigação interna e a consideração dos pareceres anteriores. Este desdobramento levou à imediata contestação por parte da professora Érica Bispo e da Defensoria Pública, que viram na decisão indícios de racismo institucional e uma clara violação de direitos.
Impactos da Decisão
A anulação do concurso da professora Érica Bispo reverberou significativamente no meio acadêmico e em diversos setores da sociedade. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP) classificou a decisão como um ato de racismo institucional, uma vez que a professora é uma mulher negra aprovada para uma área sensível e historicamente sub-representada na academia brasileira.
A DPESP não apenas se manifestou publicamente, como também tomou medidas concretas. Um ofício foi encaminhado à USP solicitando a anulação do novo processo seletivo, argumentando que a medida reforça a discriminação e desrespeita o processo anterior. Além disso, a Defensoria já havia atuado em agosto de 2023, protocolando uma ação sobre a falta de cotas em concursos da USP, o que contextualiza a luta mais ampla por inclusão e equidade na universidade.
Entidades representativas, como o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), rapidamente se posicionaram em apoio à professora Érica Bispo. O sindicato criticou a anulação, destacando a importância da pluralidade e da representatividade nos quadros docentes das universidades públicas e denunciando o que consideram uma perseguição injusta.
O caso acende um alerta sobre a persistência do racismo institucional em espaços de poder e decisão, mesmo em instituições que deveriam ser vanguarda em termos de inclusão. A decisão da USP, apesar de pareceres favoráveis à professora, cria um precedente preocupante para a segurança jurídica e a confiabilidade dos concursos públicos, especialmente para candidatos de grupos minorizados.
A situação também levanta questões sobre o papel da universidade na promoção da diversidade racial e na desconstrução de estruturas discriminatórias. A área de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa é, por sua natureza, um campo que exige sensibilidade e representatividade, tornando a anulação ainda mais simbólica e dolorosa para a comunidade negra e para os estudos afro-brasileiros.
A controvérsia gerada pela anulação não se limita ao âmbito jurídico ou acadêmico; ela se espraia para o debate público sobre a efetividade das políticas de ações afirmativas e a real disposição das instituições em combater o racismo. A percepção de que uma decisão interna da USP possa sobrepor-se a investigações do MP-SP e pareceres de sua própria Congregação abala a confiança nos mecanismos de controle e transparência da universidade.
Próximos Passos
Diante da gravidade da situação, os próximos passos do caso envolvendo a professora Érica Bispo prometem ser marcados por uma intensa batalha jurídica e mobilização social. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP), atuando ativamente na defesa da professora, continuará pressionando a USP para reverter a anulação e para que o novo concurso seja invalidado.
A expectativa é que a DPESP siga com as ações judiciais já iniciadas e possa, inclusive, buscar medidas adicionais para garantir os direitos da professora Érica Bispo e a correção do que consideram uma injustiça flagrante. O foco principal será a contestação da legalidade da anulação e a revalidação da aprovação original, com base nos pareceres favoráveis anteriores da FFLCH e do MP-SP.
O lançamento do novo edital para a vaga de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa em 1º de outubro de 2025 adiciona uma camada de complexidade ao cenário. A comunidade acadêmica e os movimentos sociais estarão atentos aos desdobramentos desse novo processo, buscando assegurar que não haja repetição de condutas discriminatórias e que a vaga seja preenchida de forma justa e transparente.
Adicionalmente, espera-se uma maior mobilização por parte de entidades de classe, como o ANDES-SN, e de grupos de defesa dos direitos humanos. Essas organizações podem promover atos, abaixo-assinados e campanhas para pressionar a administração da USP a reconsiderar sua decisão e a reforçar seu compromisso com a diversidade e a equidade racial em seu corpo docente.
O caso da professora Érica Bispo, portanto, transcende a esfera individual e se torna um símbolo da luta contra o racismo institucional nas universidades brasileiras. A resolução deste imbróglio poderá estabelecer precedentes importantes para futuros concursos e para a forma como as instituições de ensino superior lidam com questões de diversidade, inclusão e justiça.
A USP, por sua vez, enfrenta o desafio de responder às acusações e de demonstrar seu compromisso com a transparência e a igualdade. Sua postura nos próximos meses será crucial para sua reputação e para o futuro das políticas afirmativas no ensino superior brasileiro. Não há informações oficiais divulgadas pela USP até o momento sobre como a instituição pretende se posicionar diante das contestações legais e políticas.
Fonte:
ANDES-SN – USP anula concurso de professora negra aprovada por unanimidade; Defensoria Pública se manifesta. ANDES-SN

